domingo, 21 de novembro de 2010

Crônica - Falso Cinza

- Bom dia, você saberia me dizer onde é a sala do primeiro período de jornalismo ?
- Aqui. – respondi levantando os olhos.
E assim foi meu primeiro contato com Pedro. Banal, simples, a não ser pelo fato de todos os pêlos do meu corpo terem se ouriçado no exato momento em que meus olhos se encontraram com os dele. Eu já conhecia alguns colegas de classe, já que costumava andar com um pessoal mais descolado, de outros períodos e acabei participando do trote da faculdade. Mais como veterana do que como caloura. Isso me dava sensação de certo poder sobre a classe, mas perdi toda essa segurança ao falar com Pedro. Nos aproximamos muito. Formávamos dupla em todos os trabalhos, ou incorporávamos mais alguém quando era necessário estruturar um grupo. Mas Marina e Pedro eram nomes certos. Éramos inseparáveis. Essa amizade começou a tomar um rumo diferente na festa de integração dos calouros. Passamos a festa toda juntos e o primeiro beijo aconteceu. Foi lindo, como eu havia imaginado. Na verdade foi mais. Por mais reais que fossem meus sonhos e devaneios não representavam de forma fiel o toque de Pedro. A cada dia ficávamos mais unidos. Parecia um conto de fadas.
O conto de fadas começou a mudar em nosso quinto mês de namoro. Ele conhecia minha família e todos o adoravam. Mas eu... Nunca tinha visto ninguém da família dele. Nem amigos, exceto os da faculdade. E eu custei a entender o porque disso. Talvez fosse melhor eu esclarecer uma coisa, antes de começar a contar minha história, já que este fato mudou minha vida. Eu sou negra.
Cinco meses. Seis meses. Oito meses. Um ano. E eu não conhecia uma pessoa sequer, da família de Pedro. E isso passou a me incomodar muito. Eu não podia ir à casa dele, não podíamos juntar nossas famílias... Pedi, ameacei, esbravejei, até que muito a contragosto, fui levada a casa de Pedro. Dia 28 de maio de 2009. Começava o fim de tudo.
Coloquei meu melhor vestido, minha melhor sandália, arrumei meu cachos, e modéstia  a parte, eu sou uma negra linda. Pelo menos era o que Pedro me dizia. E eu acreditava. Ele morava no Leblon e foi me buscar em casa. Antes de chegarmos lá, ele me perguntou se eu tinha certeza que queria fazer aquilo. E a pergunta teve uma entonação de ameaça, repreensão. Confesso que fiquei assustada, mas insisti. Se havia algum problema, algum dia, eu teria que encará-lo.
A casa era linda. Um jardim que parecia brilhar de tão verde e uma construção linda, de três andares. Passou-me a sensação de casa feliz, família harmoniosa. Caminhamos de mãos dadas pelas pedrinhas que faziam uma trilha sinuosa da garagem até o jardim. De mãos dadas até a porta, onde Pedro soltou minha mão, olhou em meus olhos e disse:
- Eu não sei o que pode acontecer daqui pra frente. Desculpe-me.
Fiquei atormentada, e ao perguntar o porquê daquilo, não tive resposta. Ele virou a chave e entrou. Entramos.
Era uma família linda como eu havia imaginado. Todos muito branquinhos, loiros, assim como Pedro. Estavam todos na sala. O pai, a mãe e a irmã de Pedro. Todos sorriam, mas no momento em que pus os pés no tapete de boas vindas, os sorrisos de desfizeram. Todos sentaram e pareciam me ignorar, até que Mário, o pai de Pedro perguntou:
- Filhão, cadê a sua namorada?
E Pedro respondeu de cabeça baixa: - Está aqui, pai.
- Cadê filho? Só estou vendo essa negrinha aí, deve ser a faxineira nova. - Essas palavras doeram fundo na minha alma. Eu mal podia acreditar no que estava ouvindo. Respondi, com forças vindas não sei de onde:
- A namorada do seu filho está aqui. Sou eu.
Mário levantou indignado, marchou em minha direção e me olhou de perto, dos pés a cabeça, enquanto sua esposa e filha olhavam espantadas. Voltou os olhos para Pedro e disse:
- Isso era tudo que eu não esperava de você.
Pedro não disse nada e isso foi o que me feriu mais. Ele não me defendeu, não levantou a cabeça. Ainda respondi novamente, disse que não sabia qual era o problema em nossa relação, e tive a pior resposta, que nunca poderia imaginar:
- Você é preta. Pre-ta. Seu lugar não é do lado do meu filho, vai manchar a linhagem da minha família.
Senti ódio. Senti nojo. E senti pena. De todos eles, principalmente de Pedro, que era um covarde, fraco. Fui embora. Pra nunca mais voltar. Pedro saiu da faculdade, nunca mais o vi. Custei a esquecê-lo, mas consegui. Nunca tinha visto de perto a face do racismo. Ele é feio e dói. Mas sei que um dia todos vão entender que a cor da pele é só um enfeite e jamais determinou ou determinará o caráter ou valor de alguém.



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